sábado, 4 de setembro de 2010

Mineiros chilenos e as lições de gestão de crises





















O drama dos 33 mineiros soterrados em uma mina no Chile, acompanhado por toda a mídia mundial, independentemente do lado humano, pode ser uma experiência interessante para analisar conceitos e premissas de gestão de crises. A começar pelas falhas que levaram ao desabamento. A empresa proprietária da mina não cumpria as mínimas exigências de prevenção de acidentes, o que poderia ter evitado ou minimizado a tragédia. As famílias resolveram processar a mineradora. Tentativa que poderá ser em vão, porque ela não voltará a funcionar. Está quebrada.

A falência da empresa proprietária da mina San José é apenas parte do problema. Ou uma pequena mostra da vulnerabilidade desse setor no Chile. O governo chileno também falhou ao não ter um plano de fiscalização permanente e de prevenção de segurança nas minas do país. Em função do acidente ocorrido com os 33 mineiros, ontem o governo anunciou o fechamento de outras 26 instalações de mineração.

A notícia de que os 33 trabalhadores, desaparecidos há 17 dias, estavam vivos, causou euforia nas equipes que do lado de fora esperavam notícias. Eles ficaram todo esse período incomunicáveis, o que já bastaria para aumentar o drama e o risco psicológico e físico dos mineiros. Sobreviveram com restos de comida, conservas e água que encontraram em veículos de manutenção. Com grande risco para a saúde.

O ministro de Mineração, Laurence Golborne, anunciou que revisará as regras de segurança e aumentará a fiscalização. Como sempre, e principalmente nas tragédias, as autoridades chegam tarde e prometem providências que acabam não cumprindo. Para os mineiros, principalmente, essas promessas têm pouco valor. "O empregador deveria saber que um acidente como esse, com resultado trágico de morte, poderia ocorrer", afirmou o advogado da família.

É consenso nos manuais de gerenciamento de crises, que a primeira fase de um programa de gestão de crises inclui medidas de prevenção e de análise das vulnerabilidades, ou seja uma auditoria de crise. Uma fiscalização de rotina na mina de Copiapó certamente teria alertado sobre o risco das instalações e o perigo de um desabamento.

Se a empresa não tinha esse cuidado, os órgãos fiscalizadores deveriam manter uma mínima rotina de fiscalização. O que poderia ter redundado no fechamento das instalações. Dada a precariedade de muitas minas no Chile, os especialistas admitem que foi sorte até agora não ter havido uma tragédia de grandes proporções. Na terça-feira (31), os mineiros bateram o recorde de sobrevivência em soterramentos, passando 26 dias embaixo da terra. Só três mineiros chineses conseguiram sair vivos de um soterramento, após 25 dias.

O acidente ocorreu em 5 de agosto, em uma mina de cobre e ouro no Deserto do Atacama, no norte do país. Os 33 mineiros trabalhavam a uma profundidade de 700 metros quando houve um desmoronamento em uma galeria. Eles ficaram presos em um refúgio, com 52 metros quadrados. Conseguiram sobreviver - graças a tanques de água que estavam no local e canais de ventilação.

O drama dos mineiros chilenos lembra um clássico do cinema mundial, de 1951, o filme A montanha dos sete abutres, com Kirk Douglas no papel de um repórter que aceita emprega num pequeno jornal do Novo México. Como o trabalho é bastante monótono, ele descobre que um homem havia ficado preso numa mina. Ao vislumbrar a possibilidade de se tornar famoso com a notícia exclusiva, ele tenta prolongar a permanência da vítima no interior da mina.

Ambiente interno

Se fora da mina, o ambiente é de preocupação e stress, para correr contra o tempo, a sobrevivência deles dentro de um cubículo de 52 metros quadrados também exigirá várias rotinas que fazem parte das premissas básicas de gestão de crises. Corretamente, as autoridades procuraram estudar o perfil de cada um dos sobreviventes e já elegeram ou indicaram um líder. Trata-se do mineiro mais velho e mais respeitado no grupo, com 63 anos, desde os 12 no interior das minas. Como administrar a rotina de 33 homens, sob condições precárias, sem luz, e com uma pressão psicológica muito grande, naquele ambiente? Por isso, é necessário na crise sempre ter alguém para comandar as ações e a quem todos devem se reportar na hora de resolver as pendências.

O grupo também deve ter outros membros com ascendência sobre os demais. Esse pequeno grupo poderia constituir o chamado Comitê de Crise. Não seria possível, naquela situação extrema, deixar tudo por conta do mineiro mais velho. Ele precisa ter apoio dos influenciadores. Como na sobrevivência em guerras ou desastres, é preciso estabelecer rotinas, até mesmo racionar água e alimentos, comandar a higiene, cozinhar, caso contrário os fortes engolem os pequenos. Basta lembrar algumas cenas do filme e livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.

As autoridades responsáveis também escolheram um porta-voz. É através dele que os mineiros se dirigem oficialmente à equipe de resgate, aos parentes e à mídia. As comunicações individuais são disciplinadas. Até o tempo de conversação com os parentes está limitado a um minuto. Faz parte também do tratamento recomendado por psicólogos e assistentes sociais. O que significa estabelecer ordem naquele caos. Muita conversa acabaria também debilitando física e psicologicamente os mineiros.

Nesse momento, as equipes de resgate querem manter o moral elevado e o equilíbrio do grupo. Mesmo do lado de fora, será preciso haver disciplina, comando, rotinas muito rígidas. Está proibido aos parentes dar notícias ruins. Correto. Para que deprimi-los ainda mais? O que resolveria?

Ou seja, existe também um comitê de crise no lado de fora. Este comitê, certamente coordenado pelo governo do Chile, além de administrar o dia-a-dia, conduz os trabalhos de perfuração do poço adicional, que servirá para resgatá-los. E centraliza todas as decisões em terra, relacionadas com os contatos e o apoio aos mineiros. Até agora eles não sabem que o resgate poderá levar quatro meses. A última tentativa, com a perfuração em outros locais, tenta reduzir esse tempo para dois meses. Mesmo assim, uma eternidade para quem está soterrado a 700 metros de profundidade, com temperaturas de 36 graus e umidade relativa do ar em 95%. Uma verdadeira sauna.

Todas essas rotinas já estabelecidas tentam gerenciar uma situação de profundo stress para o grupo. Os psicólogos admitem que com o passar dos dias e num ambiente de confinamento, mas sob condições adversas, o grupo pode perder a coesão. Eles poderão ter alucinações, começar a entrar em pânico com a demora no resgate, adoecer e ter distúrbios de sono, o que agravaria o quadro psicológico. Ou seja, tanto as equipes externas, como o grupo no interior da mina serão testados no seu limite.

Fonte:
Forni
http://jforni.jor.br/forni/?q=node/432
Foto: google imagens